Rolando para cima sem parar

December 28, 2024

No livro "Dez Argumentos para Você Deletar Agora Suas Redes Sociais", de 2018, Jaron Lanier reflete sobre os impactos das redes sociais em nossas vidas e apresenta razões para abandoná-las. Lembrei desse livro enquanto ouvia o podcast do Acquired que conta a história da Meta. Em um episódio extenso até para os padrões da Acquired (de 6 horas), eles contam inúmeros detalhes e entre outras coisas, como o "feed infinito" foi criado.


O "feed infinito" mudou a forma como consumimos informações, na verdade, o "feed infinito" nos viciou de tal modo que ainda precisaremos de tempo para entender completamente seu impacto. Pessoalmente, acredito que os historiadores olharão para esse fenômeno como parte de um capítulo intitulado "O Começo do Fim" (veja essa pesquisa sobre "zombie scrolling")

A verdade que é até difícil imaginar que o conceito de "passar seu dedo para rolar infinitamente a tela" na sua rede social favorita" (provavelmente o que você está fazendo agora mesmo) simplesmente não existia em 2002, o mesmo ano em que o seleção brasileira masculina conquistou o pentacampeonato na Copa do Mundo de futebol.


Foi apenas em 2006, que o Facebook, uma recém lançada startup, com então com 2 anos, lançou uma novidade: a News Feed.

Foi a primeira vez que os usuários viram uma linha do tempo personalizada e dinâmica, atualizada praticamente em tempo real. Algo inédito entre tudo que tinha na época (sites como Reddit e Digg, ofereciam rankings de histórias populares mas numa experiência diferente)

As pessoas não gostaram… até que gostaram MUITO

Assim que foi lançado a News Feed enfrentou resistência inicial... logo nos primeiros dias que a funcionalidade foi ao ar para todos, milhares de usuários protestaram contra o News Feed, alegando preocupações com privacidade e o caráter invasivo das atualizações (a ironia era que muitos desses protestos aconteciam por meio do próprio feed) ¯\\_(ツ)_/¯

Embora o público inicialmente afirmasse “odiar” a funcionalidade, os dados mostravam que os níveis de engajamento estavam disparando (e muito) e o Facebook (leia-se Mark Zuckerberg) decidiu bancar a ideia.

Em poucas semanas, o feed tornou-se indispensável para os usuários.

Um triunfo técnico com consequências

Do ponto de vista técnico, é importante lembrarmos que naquela época do lançamento, não existiam ferramentas ou bibliotecas prontas para gerenciar atualizações contínuas e personalizadas. Construir o News Feed foi um baita desafio técnico, mesmo!

A equipe de engenheiros do Facebook precisou criar (e inventar) processos para:

  1. 📂 Armazenar e recuperar informações dinamicamente: Cada vez que um usuário verificava seu feed, era necessário buscar as atualizações recentes de todos os seus amigos.

  2. 📊 Gerenciar grandes volumes de dados: O sistema deveria operar com eficiência para milhões de usuários, considerando a relação exponencial entre conexões sociais e atualizações.

  3. Classificar o que é relevante: Além de exibir os dados, o Facebook teve que decidir como priorizá-los. Fotos de amigos próximos ou eventos importantes tinham que ser destacados em detrimento de postagens irrelevantes.

O feed começou com atualizações 4x ao dia (em intervalos de seis horas)

Nota técnica: era um cron job e só se tornou em tempo real após melhorias de engenharia em processamento e armazenamento

Esse triunfo técnico não veio veio sem consequências…

Uma experiência viciante ‘by design’

Mesmo os usuários mais céticos acabam "presos" ao feed. Com o tempo o design da News Feed foi cuidadosamente elaborado para explorar a curiosidade humana e criar uma experiência viciante. Ao exibir conteúdos relevantes de forma dinâmica e visualmente atraente, o feed ativa os mesmos circuitos cerebrais responsáveis por recompensas, como nos jogos.

Uma vez acostumados, os usuários não conseguiam mais imaginar a experiência online sem ele. O News Feed se tornou uma das primeiras implementações em larga escala de algoritmos de personalização, transformando o Facebook em uma das maiores plataformas de publicidade do mundo ao lado do Google. O resto é história.

Talvez, se o Newsfeed nunca tivesse sido criado, Jaron Lanier nem precisasse escrever seu livro... Mas a verdade é que a história não se constrói com "e se", e por isso só nos resta lidar com os impactos dessa inovação e refletir...

Afinal, estamos rolando para cima ou para trás?




Para saber mais:

[1] weforum.org/stories/2016/09/facebooks-news-feed-is-10-years-old-this-is-how-the-site-has-changed/ [2] acquired.fm/episodes/meta